quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

A "Dama" na Dança de Salão.


Bom... respirem fundo, porque agora vou falar sobre um assunto polêmico! rsrsrs

Cada profissional ou amador da Dança de Salão tem uma opinião sobre como deve ser a relação entre as duas pessoas que dançam. Após muitos anos de estudo de referências, de história e de observação do ambiente social e profissional da dança, comecei a questionar  algumas "verdades absolutas" que ouvia em bailes e aulas.

A Dança é uma linguagem artística, uma manifestação cultural humana, portanto ela não existe separadamente de todos os códigos formais ou informais dos grupos onde ela é praticada. O que eu quero dizer com isso é que toda dança carrega os modos de ser da sociedade da qual ela faz parte.

Se formos pensar no ambiente onde as danças de salão nasceram, lá no seu "vovô", as danças de côrte européias, quantas regras sobre corpo e movimento, quantas regras sobre comportamento que não usamos mais, mas chegam carregadas pela dança até nós?

Quantos preconceitos e códigos de conduta ultrapassados continuam sendo reproduzidos através das danças, porque se repete muito e se reflete muito pouco o sobre próprio fazer?

Eu mesma, em minhas aulas, utilizo termos com "a dama", "o cavalheiro", "o moço", "a moça", quando poderia utilizar "a pessoa que estiver propondo o movimento", "o condutor", "o conduzido", "o parceiro ou a parceira". Esses termos antigos estão arraigados no meu modo de dar aula, pois eu os ouvi milhões de vezes durante a minha própria formação e eles não são inocentes, vem carregados de sentidos.

Quando afirmamos que "o homem conduz e a mulher segue", "o homem manda e a mulher obedece", quais valores estamos transmitindo inconscientemente? De que mulheres não são capazes de se bastarem sozinhas, não tem condições de liderar e ao mesmo tempo, que recai tanta responsabilidade sobre os homens que à eles não é permitido soltar-se prazerosamente durante a dança.
"O homem é a moldura e a mulher é a pintura", tantas afirmações definidoras... Porque o homem também não pode ser pintura?

Indo mais além, se repararmos nos figurinos masculino e feminino, principalmente no Tango, no Bolero, na Valsa, que são considerados ritmos mais conservadores, os homens estão sempre de roupas escuras, sóbrias, quando dançam contra a um fundo escuro então, mal se vê um rostinho flutuante, enquanto às mulheres são permitidas as cores, plumas, brilhos e babados, mesmo quando vestidas de preto, há rendas, arrastão, fendas, etc.



Nem estou entrando no mérito da plurissexualidade, pois é injusto que casais de mesmo sexo não possam dançar entre si, mas a necessidade de que se tenha uma pessoa do sexo feminino e uma pessoa do sexo masculino para dançar é uma prática excludente. Fato, nunca haverá a mesma quantidade de homens e mulheres no mundo. Eu, como professora, diversas vezes preciso conduzir meus alunos, homens e mulheres, para lhes possibilitar uma melhor compreensão de determinado movimento, mas em alguns bailes já fui censurada, por querer dançar com meus alunos como quem conduz, por ser mulher.

Hoje em dia há mais abertura para se debater o assunto e em muitos bailes e práticas as pessoas se alternam na condução e dançam com quem quiserem, independente do sexo, mas é preciso continuar a discussão, pois ainda há muito preconceito e desconhecimento que excluem e afastam as pessoas das Danças de Salão.

Sempre oriento meus alunos e alunas no sentido de que nós aprendemos à ouvir e falar através da dança. Eu digo algo e espero a resposta, eu ouço a pergunta antes para poder responder e posso fazer uma nova pergunta se eu quiser. Assim, como numa conversa, se houver realmente parceria e paciência, as duas pessoas podem falar e serem ouvidas.

Ao contrário do que se pensa, uma postura totalmente passiva por conta da pessoa que é conduzida não melhora a performance artística, pelo contrário, é o compartilhamento da responsabilidade que dá leveza e permite que ambos possam se expressar livremente durante a dança e darem idéias durante um improviso.

Em nossa sociedade atual, não é mais concebível essa noção de "homem supridor de todas necessidades" e "mulher frágil e indefesa", porque então continuarmos dançando assim?

Compartilho com vocês o texto de Sheila Santos, sobre como uma maior "pró-atividade" por parte da pessoa que acompanha a condução pode intensificar a qualidade da dança.



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