sexta-feira, 16 de junho de 2017

A idade certa para se dançar - segunda parte!


Eu nunca imaginei, mas a primeira postagem que fiz, em 2008, continua sendo a mais popular do blog. "A idade certa para se dançar" continua recebendo comentários com dúvidas dos leitores até hoje! Isso me fez compreender que esse é um assunto pouco falado e muito buscado pelas pessoas, por esse motivo, resolvi fazer essa nova postagem, falando sobre o mesmo tema. (Caso tenha interesse em ler a primeira postagem na íntegra, é só clicar aqui.)

Mas como esse tema dá pano pra manga, poderia fazer muitas postagens sobre ele, nesta aqui escolhi falar sobre um assunto que é um dos motivos que leva as pessoas a associarem a juventude com a prática de dança: o virtuosismo.

Nós temos alguns "tabus" em nossa cultura, alguns assuntos delicados, complexos, que algumas pessoas não gostam de discutir sobre, porque, às vezes, pode esbarrar em temas doloridos, mas a verdade é que é bem importante a gente refletir sobre o porquê de agirmos e pensarmos de determinada maneira. Buscar saber mais e tirar dúvidas sobre assuntos que não conhecemos muito, nos ajuda a tomar decisões e pensar se queremos mesmo manter o modo como pensamos e fazemos as coisas ou se gostaríamos de mudá-los.

Há alguns preconceitos relacionados à Dança que nos atrapalham de pensar seriamente sobre ela, podendo beirar o desrespeito, o medo e a rejeição.

Me recordo de um vídeo, disponibilizado na internet algum tempo atrás, de quando foi aprovada a regulamentação do profissional da dança. Entre gracinhas e piadas jocosas, as pessoas envolvidas, respeitados políticos, caçoavam do homem que apresentou o tema à votação, e ele próprio, respondia às piadas com outras.
Não digo que haja problema em se levar o trabalho com leveza, mas será que haveriam tantas piadinhas se fosse a regulamentação de outra profissão? (a de advogado ou médico, por exemplo)
Porque algumas profissões são levadas mais a sério que outras?
Porque achamos engraçado que alguém seja bailarino? Ou melhor, que um senhor de terno e gravata possa apreciar dança?
Porque quando você pensa na palavra DANÇA, as primeiras idéias que vem a sua mente, e que são as definidoras do que é dança para você, vão na contramão do que é uma pessoa comum.

Esse ano, minha mãe, que já completou 68 anos, virou para mim e disse: "Puxa vida! 2017! Nunca imaginei que viveria para ver esse ano! Tão longe parecia!" Pois bem, nem eu imaginei, mãe, rsrsrs mas cá estamos nós, 2017, tem 3G, Iphone, Whatsapp, as pessoas carregam minitelas consigo para todos os lugares, podem falar (e ver a imagem) com alguém que está do outro lado do mundo instantaneamente, como no desenho dos jetsons que eu via quando era pequena. Mas, apesar de todos esses avanços, continuamos com ideais bem antiquados sobre dança.

Se quando eu falei dança, você pensou nos clipes da Beyoncé, parabéns, você é bem mais atualizado, mas um enorme número de pessoas continua pensando na moça esbelta, envolta em tule branco e nas pontas dos pés dos balés de 1800 (séc XIX).


Porque estou falando tudo isso: é urgente que repensemos nossa noção de dança, porque sendo a Beyoncé, a Giselle ou outro ícone, eles não representam as pessoas, pessoas comuns, alguém que você encontraria no ônibus ou na fila da farmácia, e sim seres fantásticos, Divas, Ninfas, Personagens saídos de um filme de hollywood, de um conto de fadas ou de uma apresentação circense. 


É importante entender que meu ponto de vista sobre a dança não é o de atividade física, não é o de entretenimento, é o de expressão, comunicação artística. Um artista não precisa ser virtuoso, precisa entender da sua linguagem e causar sensações e reflexões nas pessoas.

Quando pensamos num bailarino que é demasiado elástico, salta com muita altura, gira muitas voltas, faz movimentos com muita agilidade, estamos mesmo pensando num artista ou num virtuosista?

Alongamento é algo importante para um bailarino? Sim. Aliás, para a saúde de qualquer pessoa. (Aproveite e faça um teste rápido e veja como anda sua flexibilidade: fique em pé, você consegue tocar o chão com as pontas dos dedos sem flexionar os joelhos?)

É necessário ser a "mulher borracha" para ser uma bailarina? A resposta é NÃO.

Da mesma forma que o alongamento, a agilidade e a força podem ser ferramentas expressivas, mas não são condição única e exclusiva para se expressar através da dança. Então, se não são apenas as características físicas que definem a possibilidade e a qualidade de um artista da dança, não há porque restringir a faixa etária de profissionalização da área. Em outras palavras, não existe idade certa para se dançar.

Se você não gosta de dança, não tem problema nenhum, a amizade é a mesma! rsrsrs Mas se gosta, quer apreciar, quer experimentar fazer, não se reprima por causa das idéias de outras pessoas. Não tente agradar os outros, deixe que façam piadinhas, que te censurem, a vida passa muito rápido para deixar passar a chance de vivenciar coisas novas. Se você encontrar um local ou um professor que não permita que você participe das aulas, ou até permita, mas que o ambiente não é respeitoso e a acolhedor a você, procure outro local/professor. Pode até ser que eles não estejam preparados para te receber, sempre existirá quem está preparado ou quem está disposto a explorar novas possibilidades junto com você.

Algo que sempre falo para meus alunos, e que todos compreendem imediatamente, é a comparação com a Poesia. Quando pensamos em um grande poeta, imaginamos alguém que sabe muitas palavras? Uma pessoa que decorou todo o dicionário? Uma pessoa que usa palavras longas e difíceis? Não, né?
Imaginamos alguém que saiba usar as palavras para nos tocar, para nos chocar, para nos emocionar, para nos fazer refletir. Isso é o que um artista faz, isso é o que os artistas da Dança fazem.

Precisamos aproximar a idéia de se fazer dança das pessoas comuns, para que sua prática seja vista como algo que faz parte do cotidiano e não algo guardado para poucos escolhidos pelo destino. Nem todo mundo quer ser artista profissional, mas todo mundo merece ter contato com a Arte, se a pessoa não conhece esse fazer, nunca vai pensar em seguir esse fazer profissionalmente.


Se você quer ser um artista, quer ser um bailarino, interpréte, diretor, coreógrafo, ... bora se jogar no estudos, treine, pratique, busque conhecer outras danças, conhecer as histórias das danças, conhecer outros artistas e melhorar cada vez mais você como pessoa e seu potencial como artista. Independentemente da sua idade!

Esforço será necessário, não acredite na mentira de que é necessário nascer com um talento para se dançar, talento é 99,9% esforço, eu estudei e me esforcei bastante para chegar onde estou e vira e mexe eu escuto alguém dizer (ou insinuar) que eu tenho muita sorte.

As pessoas costumam respeitar a profissão de médico, pois a pessoa estuda muito, lê muitos livros e estuda muitos anos para conseguir se tornar um profissional. Pois bem, a formação de harpista (músico ou musicista que toca o instrumento musical harpa profissionalmente) é de 12 anos e a formação de um bailarino clássico leva de 8 à 10 anos, por exemplo (e mesmo assim não recebem o mesmo respeito por parte das pessoas). Por favor, não confunda a minha afirmação de que toda e qualquer pessoa pode dançar e deve ter acesso à dança, com facilidade ou falta de esforço pessoal.

Qualquer coisa que aprendemos na vida demanda esforço, é que às vezes, quando o fazemos com prazer, não percebemos. Talvez, a primeira vez que você vá cozinhar feijão, não vá ficar apetitoso, rsrsrs talvez queime, fique muito salgado ou sem tempero, com a pratica, a repetição, o aprendizado e dicas de outras pessoas, você irá se aperfeiçoando na técnica. Imagina se alguém experimentasse esse primeiro feijão e dissesse que você nunca iria saber cozinhar? Muitos cozinheiros escutaram e isso e não se deixaram abalar. Estou dizendo isso porque é muito comum sentirmos dificuldade no começo das aulas de dança, mas você não deve desistir, persista um pouco mais e veja se é um obstáculo que você consegue superar. Algumas pessoas chegam para fazer aulas de dança comigo e acham que eu faço mágica! rsrsrs Acham que eu vou transformá-las no Fred Astaire em algumas horas. Não funciona bem assim, o corpo não tem a velocidade da internet, ele precisa de tempo para internalizar alguns conceitos. Mas a prática ajuda muito!

Muitas moças entre 12 e 18 anos vieram me perguntar se estavam"velhas" para começar a dançar, e isso me entristece muito, não só pelo fato de que eu mesma comecei a estudar mais seriamente dança com 15 anos (e muitas pessoas me disseram naquela época que eu estava muito velha [e muito gorda] e que nunca iria me profissionalizar), mas pelo fato de que, se uma adolescente se acha velha, uma senhora de 60 anos é o quê? Um fardo? Que desrespeito! Estamos ignorando o quanto cada ser humano ainda pode contribuir para o mundo.

Grandes bailarinos da história da dança iniciaram suas jornadas adultos ou idosos, posso fazer uma postagem sobre alguns, caso tenham curiosidade.

Vocês me perguntam se eu acho que vocês estão velhos, novos, se são aptos ou não, mas vocês são plenamente capazes de saber de seus potenciais. A pergunta talvez seja outra, você realmente quer se profissionalizar em dança? Quer se esforças para isso e talvez ter de abrir mão de outras coisas? Quer colher o amargo e o doce dessa profissão? Porque toda profissão o tem. Ou está iludido por uma idéia fantasiosa de que é uma profissão glamourosa? Basta dar uma chance, experimentar. Sem medo de fracassar, de errar, de se machucar, de desagradar os outros. Ouça sua intuição.


Se você nunca participou de aulas de dança, o faça só pelo prazer de experimentar e veja quais são suas sensações diante dessa experiência, quem sabe daí você descubra qual é o seu caminho.

Duvide de verdades absolutas, tudo tem porque de ser, a gente pode não saber, mas tem, e é bem legal ir atrás de descobrir os porquês das coisas, pois a razão pra um pode não ser para o outro.

Porque homem não pode dançar? Porque dança é coisa de mulherzinha? Porque de mulher é ruim? Porque determinadas danças ficam taxadas pela faixa etária (porque idosos não podem dançar street dance e jovens não podem dançar cha cha cha, por exemplo)? Porque a Dança Clássica, que é de um País do outro lado do oceano, é mais conhecida e difundida nas escolas de dança que as danças daqui do Brasil? Porque quando compramos um livro de "História da Dança" não tem as histórias de todas as danças do mundo? Porque dançar não é aceito como uma profissão respeitável? (Se eu ganhasse uma moeda por cada vez que eu ouvi "mas você trabalha com o quê?", "você só dá aula?", "mas você vive de dança?") Porque as mídias (TV, rádio, jornal, sites, etc.) só divulgam alguns tipos de dança? Porque não achamos que a Dança é uma área do conhecimento humano que demanda estudo e trabalho intelectual? (Veja pelas piadinhas de que bailarinos são burros).

Graças a humanidade, temos aí a internet que nos ajuda nas pesquisas, nem tudo você conseguirá saber pela internet, mas conseguirá achar quem possa ajudá-lo, como você me achou aqui nesse blog.


Termino essa postagem com a imagem acima, um trecho de uma das montagens de Pina Bausch, só com senhores de terno e gravata, participando de uma obra contemporânea de dança.

Vivemos em uma era cheia de tecnologia, de re-pensar velhos padrões de comportamento, de liberdade de pensamento, de fácil acesso à informação, mas muitas vezes a dança continua funcionando como uma ferramenta de reprodução de velhos padrões e preconceitos. 
Deixe-mos a dança continuar a servir a um de seus propósitos mais importantes: o de revolucionar o mundo, revolucionando um corpo de cada vez.

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